Eu, Eu Mesmo e Irene: 20 anos depois

Muitos que cresceram nos anos 80 ou 90 reciclaram suas opiniões ou comportamentos e tiveram que se adaptar aos novos tempos, sobretudo, daquilo que é ou o que não politicamente correto.

E os irmãos Peter e Bobby Farrelly não são diferentes.

Durante os anos 90 e início de 2000 eles dirigiram e escreveram comédias muito populares, mas que tinham como característica o escracho contra tudo e todos. O humor sem sutilezas em filmes como “Quem Vai Ficar com Mary?”,O Amor é Cego“, “Débi e Lóide” ou “Antes Só do que Mal Casado“, além deste “Eu, Eu Mesmo e Irene“.

E olhando para esta biografia, fica difícil imaginar que veio deles o correto e acadêmico Green Book, que surpreendeu a todos a venceu o Oscar 2019 de Melhor Filme.

Mas é curioso assistir a Eu, Eu Mesmo e Irene e descobrir que é impensável um filme desses feito hoje em dia: humor grosseiro, sem sutilezas, com palavrões, piadas racistas, com anões e muitas insinuações de sexo.

É um dos filmes mais “adultos” da dupla, tanto que nunca passou na Sessão da Tarde, ficando restrito às reprises do Corujão, mas, se compararmos aos outros filmes, este é dos menos populares, tanto que chegou com uma campanha agressiva de marketing e este deveria ser o grande lançamento do verão de 2000, mas o sucesso foi relativo: custou 51 milhões e faturou 149 milhões, mas, se recuperou no home vídeo no ano seguinte, além da altíssima audiência na TV.

E para quem se lembra, o filme conta a história de Charlie (Jim Carrey) um policial correto e de bom coração, mas que as pessoas se aproveitam, tanto, que começamos o filme com sua ex-esposa o trocando por um anão. Ele sofre de dupla personalidade e se não tomar o seu remédio, libera sua outra personalidade: Hank, um sujeito beberrão, falastrão, mal-educado e agressivo.

Não bastasse isso, surge em seu caminho a doce Irene (Renée Zellweger, sempre ótima), uma jovem que fora ameaçada por seu ex-namorado mafioso e que vai atrás, tanto dela, quanto de Charlie/Hank.

Após o megassucesso de Quem Vai Ficar com Mary em 1998 (custou cerca de 20 milhões e faturou mais de 300 no mundo inteiro) os irmãos Farrelly tiveram carta branca para fazer este filme aqui, o que já foi um equívoco, porque o péssimo primeiro ato do filme é um festival de piada de duplo sentido e situações constrangedoras (todo o arco do anão é insuportável) e parecia que seguir este caminho.

Mas o filme ganha vida com a entrada de 3 personagens: Hank, mesmo sendo aquela pessoa que queremos longe, dá uma luz ao pacato Charlie; Irene, na qual Renée Zellweger está super à vontade (embora sexualizada às vezes) e traz o equilíbrio entre razão e emoção que o filme precisava, além do sempre ótimo Chris Cooper, que faz um policial de intenções duvidosas.

Não espere um filme muito explicativo sobre um problema que é sim, real, como a Dupla Personalidade onde milhares de pessoas liberam o que reprimiram a vida inteira. O problema aqui existe, mas é pano de fundo para todas as situações de humor, algo que os diretores repetiram em O Amor é Cego (gordofobia) ou Ligado em Você (gêmeos siameses).

E sem contar a velha discussão: vale a pena guardar tudo para si ou o ideal é colocar tudo em pratos limpos? A resposta para esta pergunta daria um texto à parte.

E este foi o filme que trouxe Jim Carrey de volta às comédias, após os elogiados dramas O Show de Truman e O Mundo de Andy, ele repetiu a parceira com os diretores de Débi e Lóide e realizou este que está longe de seus papéis mais memoráveis. Ele se esforça nos dois papéis (às vezes até demais, dando uma ideia de forçar a barra) e não dá para reclamar de sua presença em cena.

E é inegável que os coadjuvantes Renée Zellweger, Chris Cooper, Richard Jenkins e Robert Foster roubam a cena em situações cômicas, mas que podem incomodar alguns.

Eu, Eu Mesmo e Irene não é uma grande comédia e é mais fraca até para os padrões dos irmãos Farrelly, mas que não deve ser ignorada e pode ser uma boa pedida para entender o comportamento de uma época que não volta tão cedo.

Ou até mesmo para quem acha que “o mundo está ficando chato”.

Nerd: Raphael Brito

Não importa se o filme, série, game, livro e hq são clássicos ou lançamentos, o que importa é apreciá-los. Todas as formas de cultura são válidas e um eterno apaixonado pela cultura pop.

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