Entre discussões de “o que é ou não é cinema”, uma coisa é certa: Martin Scorsese sabe contar histórias como poucos! E conseguiu se superar em O Irlandês, não somente pelo incrível trabalho, mas por conseguir reunir Robert De Niro, Al Pacino, Harvey Keitel e ainda trazer Joe Pesci da aposentadoria.
Baseado no livro homônimo de Charles Brandt, Scorsese traz “mais” uma história sobre a máfia, porém contada de uma forma original que não há como realizar comparativos com nenhuma outra obra, apresentando a máfia italiana e irlandesa de uma maneira singular.
Frank Sheeran (Robert De Niro) conta uma história que se passa em três fases de sua vida, e para isso a tecnologia para rejuvenescer a fisionomia de De Niro foi essencial, mas não é o ponto que segura o filme. Scorsese sabe que a tecnologia é uma ferramenta para construir a narrativa e não um fim em si mesma. Ela é usada para permitir que De Niro imprima todo o seu talento e cative o público.
De cultura irlandesa, Frank viveu parte de sua vida durante a Segunda Guerra Mundial na Itália, onde dominou o idioma. Assim, ao ver o começo de sua história como motorista de frigoríficos nos anos 50, não é surpresa constatar como sua vida é moldada ao poucos, seja pelas coincidências do destino, seja pelas decisões de Frank, que é um homem persistente e muito esperto, ao mesmo tempo que tem um código de honra próprio, ótimo para um homem da máfia.
A sua ascensão é muito bem abordada devido ao ótimo roteiro de Steve Zaillian, que permite que o espectador tenha empatia pelo personagem e o enxergue além do homem da máfia, e veja o crescimento contínuo de Frank de alguém que sai da guerra para dirigir um caminhão, onde tem a oportunidade de entrar para a máfia e por fim se envolver com o sindicato liderado por Jimmy Hoffa (Al Pacino), o qual inicia sua relação como assistente pessoal e se transforma em conselheiro e amigo.
É intrigante como o filme “brinca” com a violência, variando na forma que esta é mostrada. Em alguns momentos de forma nua e crua, evidenciando o terror da vida na máfia, em outros quase como uma piada (como ao comparar o serviço de Frank ao de um pintor de casa) e alguns outros ainda, de uma forma tímida, relutante em mostrar a verdade.
A narrativa soa como se Frank estivesse pedindo desculpas ao espectador por tudo o que fez, já que na verdade ele gostaria de fazer isso à sua filha Peggy Sheeran (Anna Paquin na idade adulta) e não pode, já que ela demonstra desde criança um desejo de manter distância do mundo que o pai vive.
Al Pacino tem a oportunidade de explorar sua fúria e lábia que o tornaram tão peculiar e icônico, imprimindo tudo isso em Jimmy Hoffa, enquanto Robert De Niro arrebata o público por sua entrega visceral. Mas é Joe Pesci que apaixona por fazer um personagem que passa fragilidade e força, ao mesmo tempo. É quase impossível não pensar que você gostaria de ser amigo de Russel Bufalino, apesar de ter todos os sentidos disparando para o perigo que isso significaria.
Obviamente o filme não seria a mesma coisa sem uma trilha sonora digna de toda a equipe já citada. E Robbie Robertson conseguiu vencer o desafio e tem grande responsabilidade para que o filme retrate com perfeição os anos 50, 60 e 70.
Apesar de todas as qualidades citadas, o filme poderia ser um pouco mais curto (03:30 não é pra qualquer um). Alguns arcos são prolongados e isso se torna um pouco cansativo, mas não é nada que apague o brilhantismo do filme.