Adoráveis Mulheres, longa traz refresh da história com elenco de peso

Quando eu era pequena, em meados dos anos 90, esse longa metragem me envolveu de uma maneira mágica e súbita, tanto que eu sempre pedia para meu pai alugar novamente para assistirmos juntos. Baseado no livro “Mulherzinhas” – tradução livre do romance escrito por Louisa May Alcott publicado pela primeira vez em 1868 e que gerou inúmeras sequências de livros, adaptações para teatro e então, cinema em 1994 na versão que contava com Winona Ryder no elenco.

Eu estava com grande receio de que esta nova adaptação fizesse alterações drásticas que estragassem a visão mágica que eu tinha da história e fui ao cinema assistir a cabine de imprensa com um sentimento que misturava grandes emoções, já que recentemente, meu pai faleceu e essa era uma doce lembrança que eu tinha dele, e a preocupação de que a história original fosse quebrada de alguma maneira. O que contrabalanceava estes sentimentos era a certeza de que tínhamos um elenco de peso contracenando, como a consagrada Meryl Streep, a famosa atriz feminista Emma Watson, e e Florence Pugh (conhecida por Midsommar e Malévola) e Laura Dern (que fez um excelente trabalho em História de um Casamento) por isso, eu tinha a certeza que seriam perfeitas em seus papéis.

O livro e as livre adaptações inspiradas na obra, são carregados de mensagens feministas sobre diversos assuntos como matrimônio, estudar, poder ou não ser autora literária ou escrever para jornais, lecionar, tocar piano, pintar, entre outras atividades que para a época eram ou não consideradas propícias para mulheres, destacando-se no discurso oposto ao praticado e sendo uma obra à frente do seu tempo, que rompia com diversos paradigmas tendo como palco os dramas familiares, traços de um suposto romance histórico, e inspirações biográficas da autora,

Na época que assisti eu não entendia nada sobre relacionamentos, discurso de empoderamento e direitos da mulher, mas de uma coisa eu sabia: Esse longa metragem baseado no livro traz referências que todos nós já passamos um dia. Desemprego, vontade de crescer e ser melhor profissionalmente, doença e morte na família, conflitos de família e é isso, são essas características que fazem com que eu sempre indique esse filme.


Pois bem, vamos à nova versão:

Jo é a protagonista da história que escreve um romance baseado em sua família

A abordagem cinematográfica, a linguagem utilizada foi completamente diferente do contexto utilizado nos anos 90. Temos aqui uma trama com flashbacks e que tem sua linha do tempo quebrada para entrelaçar passado e futuro, usando como ponto de partida a visão de Jo, uma das filhas de “Mãezinha” como é chamada a personagem de Laura Dern. Jo é a personagem em destaque em muitos momentos pois é ela quem escreve o romance que será publicado sobre a vida destas irmãs, mesmo que por vezes a escolha de Greta Gerwig, diretora do longa, seja transitar por olhares de cada uma delas.

A história continua praticamente a mesma: As irmãs Jo (Saoirse Ronan), Beth (Eliza Scanlen), Meg (Emma Watson) e Amy (Florence Pugh) amadurecem na virada da adolescência para a vida adulta e os Estados Unidos atravessam a Guerra Civil em torno do ano de 1860, seu pai foi para a guerra e sua mãe precisa conseguir lidar com a maturidade de cada uma delas, conflitos familiares, sonhos, desejos, falta de dinheiro, doença repentina enquanto a tia das meninas, Tia Marsh, interpretada por Meryl Streep, cobra que as meninas tenham futuro e se casem.

Com personalidades completamente diferentes, elas enfrentam os desafios de crescer unidas pelo amor que nutrem umas pelas outras. Amor este que sempre é untado por uma das irmãs mais novas, Beth, e “mãezinha” que apesar de todos os seus conflitos pessoais , tristeza por estar longe de seu marido, inquietações por criar as meninas sozinha, sempre tem uma palavra de carinho e mensagens de paz e amor, reunindo a família. Porém este longa traz diferenças importantes não só na linguagem utilizada mas também em figurinos, pois a versão dos anos 90 salienta bastante a pobreza da família, enquanto aqui, mesmo que seja mencionado muitas vezes, a exuberância dos trajes não se assemelha ao discurso.

Com relação a linha do tempo e formato, Gerwig explora a montagem de maneira inusitada, em comparação com a outra versão do filme. Esse é um dos aspectos que mais chama a atenção e prende o espectador na história, demonstrando um ponto bem marcante da produção. As diferentes linhas temporais caminham com bastante fluidez, temos quantidades significativas de elipses narrativas que são trazidas para re-significar os espaços ocupados pela família March ainda aqui, em comparação a versão anterior.

A câmera acompanha as personagens em situação semelhante na casa em tempos diferentes e faz um alinhamento técnico utilizando nuances de cor, brilho, filtros para identificar que as épocas são distintas. a exemplo disso (aí vem um pequeno spoiler, mas que está presente tanto no livro quanto no filme, então teoricamente como ambos já foram publicados há décadas, não seria efetivamente um spoiler) Se não quiser ler, pode pular este pedaço, mas digo que é importante para entender como caminha a linha do tempo do filme.

A câmera acompanha Jo indo em direção a cozinha e descobrindo que sua irmã havia se recuperado de uma suposta gripe. Em seguida, temos a personagem em situação similar, mas com algo diferenciado que mostra o que está por vir. A fotografia se torna mais azulada e em tom sombrio de acinzentado, e Jo faz o mesmo percurso da cena anterior, indo pelas escadas em direção a cozinha, mas com passadas e expressão que revelam medo da personagem e é aí que vem a notícia da morte de Beth e que passamos a perceber que o ponto de vista de Gerwig na direção se dá por antes de Beth e depois de Beth, sempre na visão de Jo mas também há outros planos construídos sob ponto de vista de outras personagens e fatos e acontecimentos de suas vidas que estão sempre muito bem entrelaçadas.

Estes tons azulado-acinzentado ou solares e vibrantes permeiam ao longo da narrativa para mostrar essa diferença não linear e cronológica entre “antes de Beth” e “pós Beth” para demonstrar o grande significado que essa personagem tem para a família March, mas também são utilizados como recurso para fazer a ponte entre passado e presente de cada uma delas, pois a ótica vai mudando conforme a familiar que é a protagonista da “página” que Jo está escrevendo (e isso fica bem nítido e é feito de maneira promissora pela diretora do longa).

Ademais de tudo que já foi dito por aqui, há algumas ressalvas que me incomodaram bastante, entre elas está o pouco tempo de tela e explanação de seus conflitos das personagens de Beth e Mãezinha, pela importância de ambas na trama que relatei acima. Ambas são de grande relevância no desenvolvimento da história, mas Gerwig optou por não tratar das nuances de cada uma. Beth, que é tida pelas irmãs como “a melhor das March” já que é gentil e generosa, acaba desaparecendo não só por sua morte mas ausência de força da personagem e o mesmo ocorre com a mãe das meninas.

O ponto positivo fica para as falas masculinas inseridas nos momentos exatos e que dão força ao discurso do empoderamento feminino. um grande exemplo é quando Laurie, interpretado por Timothée Chalamet, diz a Amy que quer se casar com ela, e Amy, que possui um arco de triângulo amoroso com Jo, (por quem Laurie sempre foi apaixonado desde pequenos) diz que nunca se casaria com ele porque sempre iria se sentir a segunda opção, ou quando o editor diz pra Jo (quando ela apresenta sua obra finalizada) que mulher precisa se casar ou morrer (nas tramas, e talvez fazendo menção a como a sociedade pensava na época em relação às mulheres).

Nestes dois momentos, Gerwig tem atitudes distintas, uma que ressalta o mote do filme e outra que acaba sendo mais uma bola fora. O triângulo amoroso poderia ter sido melhor explorado por ela, que acaba trazendo a resolução logo em seguida, quando Amy cede rapidamente e não há um desenrolar que mostre a força do discursos.

No caso de Jo, de maneira sensacional a diretora consegue fazer uma homenagem a autora do livro e seu conflito da época ao lançar seu manuscrito de maneira vista como lucrativa com um final que cede as pressões do mercado e re-significar sua personagem, trazendo o final original da obra, mas com um desfecho um pouco diferente onde a própria autora e Gerwig mostram-se bater de frente com a sociedade patriarcal e, talvez, até mesmo trazer transformação e reflexão.

Adoráveis Mulheres mostra-se um filme delicado, com um refresh significativo em comparação a outra trama lançada em 1994, e que soa como veludo de tão gostoso de assistir. Realmente um programa de “mulherzinhas” que qualquer homem também irá se encantar ao assistir, pois como falei no início, vai além de temas femininos e de sociedade que na época eu nem podia compreender, mas também tange a vida em família e coisas que podemos mudar em nossas vidas para sermos felizes.

Opto por terminar este texto contextualizando a parte editorial de Jo e a ótica da diretora sobre a trama do livro pois é exatamente assim que termina o filme, com belas cenas da impressão e finalização do manuscrito que Jo escreve sobre a vida de sua família. Little Woman deixa o protagonismo nas mãos do exemplar escrito pela personagem protagonista e se revela fio condutor da trama e que percorre entre passado e presente dessa emblemática família.

Nerd: Giovanna Landucci

Eu sempre trago uma DicadaGiovanna pra vocês! Formada em comunicação, amante de séries e filmes, sou beeeem cinéfila mesmo! Um pouco nerd, um pouco geek, um pouco pop e ao mesmo tempo cult, uma mistura interessante que veio pra bagunçar o Novo Nerd!

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