A Era dos Joguinhos

Por Ana Giese Leandro Pinto

Apesar de ainda ser visto pelo grande público como “joguinhos”, o esporte eletrônico é uma realidade no Brasil hoje em dia. Movimentando milhões – em dinheiro e pessoas – o nicho é um mercado em franca ascensão, expandindo seus tentáculos para inúmeras áreas. Do computador ao celular, do hobby ao profissional, a era dos joguinhos chegou, e é melhor você se acostumar.

Começo dos anos 2000, era ali que o embrião do eSport era fecundado, na primeira World Cyber Gaming (WCG), na Coréia, e dezessete anos depois, o cenário já é um dos mais rentáveis no mundo. Se colocar em número de premiações, o The International– o “mundial” de Dota 2 – teve como premiação um total de 24 milhões de dólares, grande parte disso, arrecadada pela própria comunidade (por meio de micro transações dentro do jogo). Claro, se comparado com alguns dos maiores prêmios dos esportes mais tradicionais, os joguinhos ainda estão longe de estar em pé de igualdade, mas sejamos justos, estamos falando de um cenário que está recém-estruturado como algo mais profissional, e ainda é um mercado muito, mais muito nichado. Mas felizmente, esse panorama começa a mudar.

Atualmente, até aqui no Brasil – que por sua história e aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais é muito atrasado para praticamente tudo – as empresas já enxergam esse potencial. Tanto é que transmissões de League of Legends (LoL) já podem ser vistas em canais como a ESPN – rede de TV dos Estados Unidos dedicada à transmissão e produção de programas esportivos -, por exemplo. Além disso, a final do Campeonato Brasileiro de League of Legends (o CBLOL para os mais íntimos) já é transmitido nos cinemas pela Cinelive há três anos , tirando um pouco esse véu de parecer ter que acessar a deep web – espaço da rede mundial da internet não rastreado por sites de busca – para ter acesso a essa transmissão.

Mas apesar disso, muitas pessoas ainda vêem as disputas como apenas entretenimento, diversão e não enxergam os jogadores como verdadeiros atletas que são. O esporte eletrônico é muito competitivo, pode ser até mais que muitos esportes ditos como mais tradicionais. Um cyber atleta nunca se vê totalmente confortável, suas técnicas precisam ser constantemente aprimoradas, ainda mais do que as dos atletas convencionais, isso se dá por conta dos famosos patches ou atualizações, que os jogos recebem.

Imaginem a seguinte situação, e se, no futebol, o limite de substituições não existisse mais? E nos meses seguintes, junto a isso, os gols tivessem sua altura diminuída e largura aumentada, e se criassem uma nova regra que cada jogador da linha pudesse colocar a mão na bola pelo menos uma vez no jogo, sem o ato ser considerado como falta. Extrapolem para outros esportes, essas mudanças indo e vindo a cada um ou dois meses, isso são os patches. São com essas coisas que os cybers atletas precisam sempre se adaptar, tanto individualmente quanto em equipe; personagens, itens, modos, mapas são lançados, refeitos ou balanceados sempre, e é essa dinâmica que faz o eSport algo único e incrível de ser acompanhado.

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No entanto, a falta de reconhecimento para com os atletas dos jogos eletrônicos não é a única questão que cerca o eSport. Muitos também não validam os joguinhos competitivos como uma modalidade esportiva, isso porque, segundo essas pessoas, eles não requerem esforço físico ou podem ser denominados uma atividade que vise à manutenção do condicionamento corporal e da saúde, que é algumas das características com as quais o dicionário define a palavra esporte.

“Acho que muita gente liga os esportes ao esforço físico e os eSports não refletem isso. Existe esforço mental, treinamento, tem rotinas pré-definidas, mas muita gente ainda não enxerga como um esporte tradicional justamente por essa evidente falta de esforço físico. No final, as pessoas só veem um bando de “nerds” na frente do computador. Acho que isso tem mudado, principalmente com a entrada da mídia tradicional e a injeção de dinheiro. A tendência é que as pessoas enxerguem cada vez mais como esporte tradicional. Particularmente, acho que a legitimação é legal, mas os esports podem crescer muito bem sem ela”, disse o estudante de jornalismo e especialista Roque Marques, que trabalha com os eSports desde 2015 e escreve para a ESPN, quando perguntado sobre a sua opinião acerca do motivo de as pessoas não considerarem os jogos eletrônicos como esportes e se esse cenário tem sofrido alterações.

Mas, pensando em outras modalidades que também não possuem envolvimento com o esforço físico e condicionamento da saúde, pelo menos não da saúde corporal, como é o caso do xadrez, das damas e do poker, e que são consideradas, por grande parte das pessoas, um esporte, faz-se pensar se a abordagem da questão com relação aos jogos competitivos não é algo mais cultural do que de definição e significado da palavra.

Outro tema de grande relevância e que tem gerado diversificadas opiniões em torno desse universo, é se existe uma profissionalização no eSport. Apesar de muitos validarem a área como uma profissão, como mostram os dados arrecadados na pesquisa “Você conhece o eSport?” – realizada nos formulários google e divulgada via Facebook. A pesquisa não requeria identificação -, ainda não são todos que veem dessa forma. A pesquisa contou com a participação de 28 pessoas e de acordo com os dados, 85,7% dizem acreditar que a modalidade pode sim ser considerada uma profissão, por se tratar de uma fonte de renda, enquanto 14,3% responderam que não, por não conhecerem muito sobre o tema ou por não considerarem as áreas envolvendo games algo válido.

Um dos participantes respondeu positivamente à pergunta, quando questionada do porque afirmou “pela rotina de quem é competidor e também pelo fato de não se reduzir apenas a uma prática recreativa, mas sim a uma coisa que atrai o público e patrocinadores, sendo uma vertente que cresce de maneira exponencial como forma de entretenimento”, enquanto uma segunda disse o seguinte “pois havendo uma legislação com assinatura de contratos dos atletas e comissão técnica, quais seriam as diferenças para os atletas de outras modalidades?”.

Nota-se assim, que mesmo sendo um mercado em ascensão, o eSport ainda não é um tema, amplamente, conhecido e entendido por aqueles que não estão diretamente relacionados a ele. A pesquisa mostra que o número de pessoas que sabem o que é o eSport chega a 57,1% e daquelas que não sabem de 42,9%. Números esses que deixam claro, a necessidade de se falar mais sobre esse tema para a sociedade em geral.

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Do nível 1 ao nível 100′

A palavra eSports é uma abreviação de eletronicsport, no português, jogos eletrônicos. Um nicho específico dentro do mercado dos games, voltado a jogos de competição e grandes torneios, onde os melhores jogadores – bons o bastante para se tornarem profissionais – participam.

Apesar de parecer uma modalidade recente por conta de sua atual extensão e nível global, essas competições existem há anos. A primeira aconteceu no ano de 1972, organizada pelos alunos da Universidade de Stanford e oferecia como prêmio um ano de assinatura da revista Rolling Stone.

A ideia foi tão bem aceita que outras empresas seguiram o exemplo desses alunos e organizaram suas próprias competições. No entanto, diferentemente, dos que acontecem nos dias atuais, esses eram eventos mais amadores. Os jogadores se reuniam nos locais pré-determinados para jogarem da mesma forma como faziam em casa, às vezes concorrendo a pequenas premiações.

Foi nos anos 2000, que as grandes competições, agora com características e focos mais profissionais, e premiações que chegavam a quase 10 mil dólares, surgiram através do mundo. Isso, porque somente nos anos 90, com a chegada dos consoles – aparelho moderno de vídeo game – é que os games se tornaram amplamente popularizados.

Em pouco tempo os eSports já apresentavam premiações na casa dos milhões, em 2013 o The International o “mundial” de Dota 2 premiou a campeã com quase 3 milhões de dólares.

E muito se engana aqueles que pensam que as premiações milionárias ficam apenas para os atletas de console ou computador. Para provar o contrário, temos como exemplo os jogos Heartstone e Clash Royale, desenvolvidos pela Blizzard e Supercell, respectivamente. A primeira é uma desenvolvedora de jogos para diversas plataformas, já reconhecida no cenário que vem investindo pesado nos eSports. Já a Supercell entrou no mercado dos jogos para celular e tablet por volta de 2010, e o que as duas têm em comum? Ambas irão premiar os campões dos seus jogos na quantia de 1 milhão de dólares em seus campeonatos mundiais de 2018.

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‘Mais famosos do eSports’

O país mais famoso na modalidade e com o maior número de gamers do mundo é a Coréia do Sul, com uma população total de aproximadamente 50 milhões de pessoas, e 26 milhões de gamers.

No país, as pessoas são tão adeptas aos jogos eletrônicos que, milhões de pessoas comparecerem aos estádios quando há algum torneio, presencial, acontecendo e, os jogadores são tão ou mais reconhecidos, do que os jogadores de futebol e os artistas do Brasil e dos EUA. Eles são quem ilustram as campanhas das grandes marcas presentes no país.

Quanto aos jogos, no cenário competitivo, os mais populares são os de estratégia em tempo real e ação, em específico o League Of Legends, mais conhecido como LoL, que lidera o ranking com 67 milhões de jogadores em todo mundo. O jogo desenvolvido pela Riot Game, tem um número de adeptos maior do que o de pessoas que habitam a Coréia do Sul.

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O eSport no mercado profissional’

Apesar do que dizem as pessoas e os números arrecadados através de pesquisas, acerca da profissionalização dentro do eSport, as áreas de atuação permitidas por essa modalidade esportiva são muitas.

No cenário profissional dos jogos eletrônicos, fora os jogadores que são as grandes estrelas e disputam pelos holofotes e pelas poucas chances de entrarem nas grandes competições, existem muitas outras oportunidades e maneiras de integrar-se aesse mercado.

“Acho que todas as áreas dos eSports têm muito espaço. Plataformas para escrever não faltam, jogos para narrar idem. Os jogadores é que precisam de um esforço extra se quiserem suceder. Como é o lugar mais concorrido e glamoroso, você tem que se dedicar mais para se destacar. Só o talento não basta”, disse Roque Marques.

Como salientado pelo jornalista, os jogadores das grandes competições dos eSports, são apenas uma pequena parcela dessa comunidade de profissionais capacitados. O número de jornalistas e outros tipos de criadores de conteúdo – sejam eles profissionais ou amadores – envolvidos na área é muito maior do que as pessoas acreditam. E isso, levando em conta uma realidade ainda muito recente.

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Quando questionado sobre querer atuar na área antes de entrar na faculdade, Roque conta que quando ingressou no curso de Jornalismo da Universidade do Sagrado Coração (USC), há 3 anos, o cenário não era como o dos dias atuais. “Já tinha passado pela minha cabeça sim, mas não era meu foco. Acompanho o cenário competitivo de Counter-Strike desde 2009 e como o jornalismo da área ainda era pequeno, nunca foquei nisso, apesar de gostar muito de jornalismo esportivo e de eSports. Comecei com o futebol, mas quando vi a chance nos eSports, acabei entrando para me aventurar. Hoje, já não me vejo fora dele.”

Só na categoria amadora, as equipes contam com pelo menos alguns jogadores mais um técnico, enquanto as grandes equipes se estendem até profissionais da saúde. Eles contam com psicólogos, nutricionistas, assessores de empresa, analistas, jogadores reservas e uma gama de outros profissionais.

Inclusive, a área de assessoria de imprensa, assim como a de jornalismo é uma das mais fortes no cenário atual dos jogos. A assessora Branca Galdino, que trabalha há 5 anos com eSports e há 1 como assessora, aponta que esse é realmente um mercado aonde se pode investir, mas que ainda não é algo completamente estabelecido. “Ganhar a vida ainda é algo que depende de sorte e competência”, disse a assessora.

Segundo o jogador Guilherme Fonseca, conhecido pelo apelido de GuiFera, primeiro campeão mundial vindo da América do Sul e do prêmio do torneio mundial de Pro Evolution Soccer League 2017 (PES 2017), o mercado dos jogos eletrônicos, de fato, requer muito esforço.

Guilherme começou a jogar aos 4 anos de idade, quando o PES ainda tinha o nome de WinningEleven para o plastation 1, mas até o ano de 2014 a prática era apenas para sua própria diversão. A profissionalização veio apenas depois disso, quando as pessoas que o conheciam passaram a incentivá-lo para que tentasse as grandes competições. “Um pessoal começou a falar que eu tinha potencial, aí conversei com minha família que sempre me apoiou, para me levarem aos torneios presencias e foi aí que tudo começou”, disse o jogador.

No entanto, para o campeão, assim como para muitos outros jogadores, as coisas não são tão fáceis como as pessoas imaginam. “Tem que se empenhar muito, ter muito psicológico, pois o nervosismo atrapalha muito para participar dos torneios tanto off-line quanto online”, completou Guilherme.

Nerd: Ana Giese

A louca com compulsão obsessiva em comprar livros e estudante de jornalismo! Que ama Harry Potter, se apaixona constantemente por personagens fictícios e passa 14 horas assistindo Netflix. Pelo menos sabe precisar de uma visitinha ou duas ao psicólogo!!

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