Três cenas de “Hook – A Volta do Capitão Gancho” marcaram minha infância. A primeira é aquela quando Peter e os garotos perdidos se banqueteiam de pura imaginação ao conjurar tipos de comidas asquerosas e coloridas, saídas de um desenho da Nickelodean. A segunda é quando Capitão Gancho tenta conquistar o filho dele em uma partida de baseball. A terceira é quando, de volta à realidade, Peter Pan joga seu celular longe para passar mais tempo com a família. Numa época e idade na qual eu não fazia a mais remota ideia do que era um celular.
O arquétipo do Peter Pan é emblemático e colocado como um “vírus” moderno. Os críticos reclamam da moda dos super-heróis no cinema, que infantilizam o público. Os intelectuais reclamam do facebook e internet com sua maré constante de fotos de gatinho como novo pico da imbecilidade e imaturidade humanas. Músicos estão esgotados com o cenário musical árido e sem profundidade, com letras sexualizadas e melodias repetitivas típicas de um Ipod adolescente. A infância e a adolescência são períodos recentes na história da humanidade. Mesmo. E não deu nem um século se tornou um “problema”, por que em tese temos problemas em virar adultos. Tão logo a criança se estabeleceu, de repente para se diferenciar os adultos precisam demarcar um limite claro entre o que é “coisa de criança” e “coisa de adulto“. Sob muitos pontos de vista, sociológicos e psicológicos, é uma barreira inventada, e cada vez mais indistinta. Comprar um carro esportivo, caríssimo e que chega a velocidades espantosas (para andar em cidades engarrafadas) não é um tanto infantil? Mas é símbolo do adulto de sucesso. A mesma lógica para jóias, mansões, roupas de grife, equipamentos esportivos e a roda continua. É muito diferente da criança que coloca a toalha nas costas ou se enfeita com grama e folhas secas? Tudo isso começa na virada cultural do “pagar as contas”. Aí ferrou, virei adulto. E começa a enxurrada de tristezas e compras para aplacar uma alma que ainda busca aquela liberdade e leveza dos anos anteriores.
A diferença mesmo são as esferas de permissão e reconhecimento. Gostaria de saber quando houve na história da humanidade uma época “madura”. Quando tudo era levado a sério. Quando atingimos o pico de maturidade e seriedade e, com isso, uma sociedade mais justa, eficaz e igualitária, onde todos discutiam filosofia, política e economia na fila do açougue. O racionalismo do século XX falhou muito nesse sentido. Em algum momento se associou a atitudes infantis o egocentrismo, sentimentalismo e emoções cruas sem controle. Uma redução tão gigantesca do que é ser uma criança e da miríade de personalidades que existem quanto circunscrever no “adulto” a profundidade, a filosofia, o controle e a seriedade; talvez para mascarar jogos de poder e significação que tanto impedem nosso mundo de melhorar.
O Nerd sempre sofreu um pouco com isso. Pela atitude crua e ingênua frente a seus interesses e paixões, rotulados como infantis. Se empolgar com Dragão? Não pode. Com uma joia numa caixa azul? Pode. Robin Williams, em todo esse contexto, é um herói. Pra mim sempre será aquele Peter Pan da sessão da tarde que nunca cresceu e nem por isso fez do mundo pior. Pelo contrário. Difícil especular sobre as razões da sua depressão, e gostaria de dizer que ter mantido seu espírito jovem e infantil teria salvado-o. Ingênuo. Mas jogar a maioria dos problemas comportamentais e culturais existentes na caixa da “infantilidade” ainda soa estúpido. Aquele que renega a criança é o mesmo que tem medo dela. Robin Williams, ao que parece, não teve. Muito obrigado por tudo Robin.