Clássicos Modernos 04 | As Aventuras de Pi

Classicos modernos 4 - capaO clássico moderno deste mês é uma história fantástica em todos os sentidos, e tecnicamente sublime, onde é abordado temas complexos de forma singela e sutil.

Filme de 2012, dirigido por Ang Lee foi praticamente uma unanimidade entre os críticos. A história é fruto de uma obra literária homônima de 2001, escrita por Yann Martel. O filme narra a aventura de sobrevivência que o personagem Pi percorreu aliado a sua busca para encontrar ou se relacionar com o sagrado.

O filme é contado em grande parte de forma narrativa, onde o protagonista anos depois, relata sua vida e as aventuras nela ocorridas a um escritor que se interessa pela sua história.

Pi nasce numa família hinduísta proprietária de um zoológico situado na Índia, mais precisamente na cidade de Pondicherry. Ao longo de sua infância e parte de sua juventude Pi, acaba tendo contato com diversas religiões, sempre na busca de encontrar a Deus. Entre elas a religião de sua família, onde aprendeu todos os costumes e práticas dela; passando pelo cristianismo e islamismo.

Uma mensagem muito interessante dada no filme é que o personagem ainda novo percebe que poderia acessar ao sagrado em todas as religiões e por isto mesmo acredita que deve seguir todas as religiões e crenças possíveis. Pi nos diz que não importa a que fé ou crença que o indivíduo acredite ou professe, o fato é que o homem sempre está em busca de uma força superior que o guie, e isso pode se dar em qualquer ambiente inclusive fora de um templo ou lugar tido como sagrado.

Essa conotação “gospel” em um Blockbuster, me faz enxergar As Aventuras de Pi,como um filme único em seu tempo, é muito raro deparar-se com um filme que toque em algo polêmico e controverso como religião. Sabe aquela frase: religião não se discute? Pois é, no filme ela é discutida de forma tão singela, que independente da sua denominação religiosa, você não se sentirá ofendido por nada que o filme afirme sobre Deus no seu roteiro. Quem sabe até se você for ateu, o filme lhe inspire a acreditar em uma força superior.

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Mas esse clássico moderno mesmo que sutilmente não fala só sobre religião, na verdade a projeção se apóia fortemente em uma aventura fantástica de sobrevivência e é nela que as qualidades técnicas do filme enchem os olhos com a magia do cinema. Em uma viajem frustrada para o Canadá, quando sua família decide mudar da Índia, viajando em um cargueiro com os animais de seu zoológico, Pi sofre um naufrágio perdendo toda sua família.

Em uma luta incessante para sobreviver, o nosso protagonista consegue se salvar momentaneamente em um barco salva-vidas. O mesmo acaba ficando perdido no oceano Pacífico e divide o barco com uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de bengala chamado Richard Parker (nunca me esquecerei desse nome). A maior parte do filme se passa nesse ambiente, e a vida de alguns desses personagens são ceifadas, até restar apenas Pi e Richard Parker e a relação do dois é construída de forma encantadora, oscilando as emoções do telespectador da raiva ao encanto.

No período que Pi passa perdido no Pacífico ele questiona diversas vezes a existência divina e pede sinais dela. Inclusive se pergunta o que ele havia praticado de errado, se ele havia tentado acessar ao divino por diversos caminhos? (algo que muito seres humanos em vida se perguntam) A morte da hiena, da zebra e do orangotango acentuaram suas dúvidas e indagações, tais quais as nossas quando perdemos alguém que amamos. Todavia, alguns episódios no decorrer do seu calvário para sobreviver o levam a crer que o divino existe e que estava interagindo com ele.

A fotografia do filme é belíssima, com cenas perfeitas, sendo a mais famosa e elogiada a da piscina mesclada ao céu límpido e azul. Com justiça, a academia premiou o filme nessa categoria e em outras como Diretor, Efeitos visuais (muito merecido também) e trilha sonora.

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Um dos momentos mais especiais do filme é quando Pi narra duas versões dadas a sua sobrevivencia no Pacífico. Uma sendo a já apresentada com os animais, a qual ele diz acreditar que vivenciou.  E uma segunda que se encaixa no contexto da modernidade, ou melhor, da racionalidade ao qual nossa sociedade vive, uma versão onde não existem animais selvagens, mas pessoas que em uma situação limite acabam se matando. Versão esta, ideal e aparentemente lógica para os jornalistas que conversam com Pi assim que este foi encontrado e levado ao hospital para sua devida recuperação.

Todavia, a segunda versão em nenhum momento anula a primeira. Estabelecendo-se assim uma tensão onde de um lado temos uma aventura épica e de outro temos uma curiosa história de sobrevivência que é fruto de uma casualidade, o ‘homem religioso’ de um lado e o ‘homem profano e incrédulo’ de outro. E esta tensão permanece e é levada ao escritor quando anos depois Pi relata sua história ao mesmo: Qual versão você escolhe acreditar?

Por que considerar As Aventuras de Pi um Clássico moderno?

O filme tem uma das melhores fotografias da história do cinema, sendo pessoalmente específico, A MINHA FAVORITA. Com roteiro magnífico, nos causando uma montanha russa dos mais variados sentimentos. Poucos personagens em tela são capazes de prender nossa atenção e nos presentear com uma relação de amizade construída aos trancos e barrancos e ainda assim, linda! Conforme já citado, considero “Pi” um clássico por abordar questões tão maduras e profundas da humanidade de forma sutil e sem polêmicas, porém o filme não se mostra especial apenas para os adultos que compreenderão essas complexidades, pelo contrario, a fantasia também é um ponto forte e isso o faz ser querido por públicos de todas as idades. As Aventuras de Pi é um filmaço, se você ainda não assistiu, assista e escolha qual história você prefere acreditar, tanto no contexto do filme, quanto na sua VIDA.

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Clássicos Modernos 01 – Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças
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Nerd: Julio Garcia

Design gráfico, fotógrafo, aspirante a escritor, DCnauta assumido, que tenta empregar no pequeno filho a DC e o equilíbrio da força, cinéfilo desde o dia mais claro e a noite mais escura, indo ao infinito e além nos universos que gosta.

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