A Boca do Lixo nos dias de hoje: Magnífica 70

Tivemos a oportunidade de assistir antecipadamente o primeiro episódio da segunda temporada da série Magnifica 70, realizada pela HBO e que tem data de estreia para o dia 2 de outubro. E ainda, podemos conversar com alguns atores do elenco: Adriano Garib, o Manolo e Maria Luísa Mendonça, que da vida à Isabel, além deles, falamos com a produtora Maria Angela de Jesus.

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Para quem não conhece a série, ela retrata a história de um grupo de amigos que estão produzindo dois filmes em um: mesmo tema e personagens, mas um é para ganhar dinheiro e outro para tentar ir para Cannes. As personagens são complexas e problemáticas e a época em que a trama passa são os anos 70, por isso o nome, e o ambiente é o mítico bairro da Luz, aqui em São Paulo, mas precisamente na Boca do Lixo.

A Boca do Lixo foi um dos pólos cinematográficos do Brasil, foi também berço e morada de um movimento de resistência cultural que fez do cinema nacional meio de expressão e liberdade, veículo para uma geração marcada pela repressão e a censura impostas pela ditadura militar.

As produções originadas na Boca do Lixo se destacavam por seu caráter transgressor e autoral, encontrando sua seara dourada na pornochanchada realizada em profusão nos anos 1970, atores, atrizes, diretores e produtores realizaram inúmeras fitas, passeando pelos mais diversos gêneros do cinema e usando o erotismo como ferramenta, se não dramática, ao menos apelativa, para chamar atenção do público.

A nudez em tempos de repressão tinha seu charme e despertava a picardia dos jovens da época. A Boca do Lixo atuava em um contraponto perfeito ao movimento do Cinema Novo que surgia no Brasil, enquanto o Cinema Novo apontava suas lentes para questões delicadas da nossa sociedade, os cineastas da Boca retratavam a lascividade em pequenas histórias recheadas com a mais pura sacanagem que o brasileiro sabe produzir. Era, sobretudo, um local de protesto, crítica social e de cinema experimental.

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Como a censura proibia cenas de sexo explícito, o jogo de câmera e os recursos narrativos deixavam a imaginação do espectador trabalhar sobre os corpos que traziam a tela nuances que desafiavam os padrões morais estabelecidos à época. Abusando de um humor escrachado e calcados em caracterizações visuais peculiares, certos filmes marcaram época pela estética quase bizarra: Bem dotado, O Homem de Itu; Alucinações Sexuais de um Macaco e Histórias que nossas babás não contavam, são filmes que retratam bem o espírito das produções da época.

A sátira e o escárnio permeiam as produções da Boca do Lixo, os filmes retratam de modo crítico os costumes, a moda e a moral de uma sociedade atada aos valores militares por força do golpe de 64, assim acabam por se tornar obras com certa função política e social, através das quais pode ser ter uma ótica diversa aplicada a um momento bastante conturbado no nosso país.

Para que conhecer mais sobre a época vai aqui alguns filmes que marcantes do período:

Bem Dotado, o homem de Itu – 1978 / José Miziara
Alucinações Sexuais de um Macaco – 1986 / Custódio Gomes
Histórias que nossas babás não contavam – 1979 / Oswaldo de Oliveira
Onda Nova – 1983 / José Antonio Garcia & Ícaro Martins
Matou a família e foi ao cinema – 1969 / Júlio Bressane
A Ilha Dos Prazeres Proibidos – 1979 / Carlos Reichenbach
Coisas Eróticas – 1981 / Laente Calicchio (primeiro filme com cenas de sexo explícito filmado e exibido em cinemas brasileiros)
Terapia do Sexo – 1978 / Ody Fraga
Presídio de mulheres violentadas – 1977 /  Osvaldo de Oliveira
Império do Desejo – 1980 / Carlos Reichenbach

A entrevista foi bate-papo muito descontraído. Eles são muito simpáticos e atenciosos. Parecem gostar muito de fazer este trabalho:

Maria Luísa, eu tenho que assumir que minha personagem favorita é a Isabel, pelo perfil dela. Apesar de ela ter alguns momentos bem emotivos, a Isabel é completamente racional, chega a ser fria, calculista! E tem uma capacidade de resolver problemas que é impressionante. Como é interpretá-la, você compreende esse lado dela?

Maria Luísa: A Isabel é um presente. Esse lado dela de resolver problemas chega a ser invejável, mas claro que como é ficção a tinta é bem carregada, pelo amor de Deus, eu não pego em armas na vida real! (Risos) Mas, a Isabel é uma personagem que vem crescendo muito na série, nessa segunda temporada ela está bem mais poderosa, ela queimou o sutiã.

Adriano Garib: Ela está empoderadíssima!

Maria Luísa Mendonça: (Risos) Sim, podemos esperar grandes coisas de Isabel, ela que vai mandar naquela produtora!

 

Vocês não acham que está precisando voltar esse espírito de guerrilha no modo de fazer filmes que havia na época da boca do lixo?

Adriano Garib: Já tá voltando! Eu acho que as novas produções estão próximas disso. Como no teatro, que tá cada vez mais sucateado. Então, o cinema está pegando uma carona com esse negócio que é a TV, e com isso eu tô vendo muitos amigos fazendo filmes incríveis com um material de custo muito baixo.

Maria Luísa Mendonça: E também a gente tá com uma tecnologia muito leve, você faz filme com o celular até, então está voltando sim!

 

Na primeira temporada vocês fizeram algumas referências da Boca do Lixo, isso continua na segunda?

Maria Angela de Jesus: Muitas! E nessa segunda temporada tem uma citação específica ao Nelson Pereira dos Santos, né?! Vai ter muito referência de cinema!

Adriano Garib: Algumas são citadas, até! Tem pôster nas paredes do cenário. E é bom falar sobre isso, porque as pessoas ligam a Boca do Lixo só com a pornochanchada, mas não! Tem coisas maravilhosas com críticas sociais e uma coisa bem experimental, tem obras primorosas dessa época.

Maria Luísa Mendonça: É bom esse resgate também da nossa memória paulistana, né?! Eu sou muito apaixonada por São Paulo.

Eu: Somos muito apaixonadas por São Paulo! (Risos)

Adriano Garib: E nossa rua, nossa Boca do Lixo é filmada no centro do Rio, a daqui de São Paulo tá deteriorada e lá o centro do Rio livrou uma Boca do Lixo, isso é encantador.

Maria Luísa Mendonça: E essa coisa de você ir para uma locação montada em rua, tem uma hora que você não sabe o que é Doc. o que é ficção. Uma linguagem que eu acho extremamente interessante, eu acho que nesses momentos reais a gente fica confuso, tem uma hora que passa mesmo uma pessoa na rua que reclama: “-blá, blá ,blá”!  E não querem nem saber, sabe?! Você tá sentada numa cadeira e você não sabe se aquele é o figurante ou não. Me lembrou até o Carandiru, nesse sentido, as vezes a gente tinha um negócio: “será que eu entrei certo aqui?! Ah, entrei! Tem alguém aqui me ajudando!” Porque é meio punk, né?! (Risos) Chega a dar um pouco de medo!

 

A produtora Maria Angela de Jesus também falou sobre o trabalho que é trazer os anos 70 de volta para atualidade: o cuidado com as roupas, cenário, caracterização das personagens, gestos e principalmente com o roteiro. Eles atentam-se muito para que as expressões atuais não entrem em cena, e para que o vocabulário seja o mais próximo ao da época e o quanto a equipe toda se empenha neste processo.

 

A série vai ao ar aos domingos, no canal HBO, às 22h.

Nota: Esta matéria teve a colaboração de um nerd muito especial. Obrigada, Pedro Grolla, por compartilhar com a gente seu conhecimento sobre pela Boca do Lixo! 😉

Nerd: Natalia Contave

Eu amo histórias! E descobri que eu posso contá-las de várias maneiras. Ao longo da minha narrativa, eu me fiz protagonista como criadora de conteúdo, podcaster, mestra em letras, redatora, roteirista, consultora de escrita, nerd, consumidora de filmes e séries de todos os gêneros, devoradora de livros de ficção e grande apaixonada por vídeos enormes do YouTube, aqui eu denuncio a idade! Hahahaha <3

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